Beba com moderação. Uma mensagem nada preventiva
Beba com moderação. Um conselho saudável, bem-intencionado e responsável, transmitido pela indústria de bebidas alcoólicas em todas as suas propagandas, visando prevenir os problemas do consumo de álcool exagerado. Certo?
Não tenho tanta certeza assim.
A primeira vez que parei para refletir sobre isso foi em minha pesquisa de mestrado em que a maioria dos alunos de 15 anos concordou com a afirmação “não tem problema alguém da minha idade beber, desde que saiba quando parar”.
Me perguntei de onde vinha essa ideia, uma vez que todo mundo sabe que o consumo de bebidas alcoólicas é proibido para menores de 18 anos e que isso não é por acaso. A ciência já sabe há tempos que o cérebro está em desenvolvimento até cerca dos 21 anos de idade e que quanto mais cedo houver o contato com substâncias psicoativas como o álcool, maior a probabilidade de danos e do desenvolvimento de problemas futuros.
Foi quando me ocorreu que essa percepção dos alunos estava relacionada ao fato de eles terem absorvido direitinho a mensagem das propagandas de cerveja: não tem problema beber, desde que seja com moderação.
Analisemos mais detidamente essa mensagem. O verbo beber está conjugado no imperativo: beba. Uma ordem. Só faltou completar: beba com moderação, mas beba. Uma mensagem perfeitamente inserida na nossa cultura alcoólica (e promotora dela) em que o consumo de álcool é dado como um fato certo, inquestionável.
Não seria essa suposta advertência preventiva uma mensagem sutil que faz parte da publicidade que visa estimular o consumo?
O melhor conselho que a indústria dá ao seu público, no intuito de prevenir problemas com excessos alcoólicos, nem sequer considera a possibilidade de não beber. Se considerasse essa possibilidade, sua mensagem preventiva provavelmente tomaria uma forma diferente: “se beber, seja moderado”, “não beba se não souber se divertir sóbrio”, “não beber é a única forma segura de se divertir”, “beber exageradamente pode te impedir de desfrutar bons momentos”, e quantas advertências mais a criatividade puder criar considerando a possibilidade de não beber.
Mas não, segundo a indústria, é necessário beber. Para os objetivos dela, é importante que o público jovem receba a mensagem para que bebam moderadamente, pois essa é a melhor forma de contornar a “radical orientação” de não beber antes dos 18, que não é nada interessante para os negócios.
Mas o público da publicidade de cerveja não é adulto?
Lembro de propagandas polêmicas da indústria de cerveja (que foram proibidas) dirigidas claramente ao público infantil, através de mascotes e animações. Quanto mais cedo houver a identificação com a marca e o consumo, maiores as possibilidades de ter um cliente fiel em longo prazo. E não seria esse exatamente o objetivo da indústria de bebidas alcoólicas: aumentar o número de clientes que sejam fiéis ao longo da vida? Portanto, quanto mais jovem for o público atingido, melhor.
Portanto, é esperado que as propagandas se dirijam (in)diretamente ao público jovem. Elementos como irreverência, contextos de diversão, grupos de amigos, humor, trocadilhos, entre outros, facilitam que o jovem se identifique com a situação apresentada na propaganda e com o consequente consumo de álcool. Até que chegue à natural e subconsciente conclusão de que a mensagem “beba com moderação” é destinada a ele.
Talvez esse conselho “saudável, bem-intencionado e responsável” contribua para a percepção dos jovens de que não há problema em beber antes da maioridade, “desde que seja com moderação”. E mais uma vez parece que o cifrão fala mais alto que qualquer preocupação real com a prevenção e com o bem-estar social. Infelizmente.
* Texto escrito por Raphael Mestres e publicado em: