A mídia e o papel dos pais na prevenção
Valorizando o sucesso em campanhas de mídia para a prevenção do uso de substâncias por adolescentes e o papel especial dos pais no processo
Uma análise do UNODC conceitua que a eficácia da prevenção da toxicodependência contribui para o desenvolvimento social e para o exercício para a cidadania. Em suma, a prática da prevenção envolve garantir “que crianças e jovens sejam menos vulneráveis e mais resistentes.”
O UNODC também abordou aspectos relacionados a campanhas de sensibilização na mídia. Para a entidade essa medida é a primeira e/ou única intervenção realizadas pelos governantes para prevenir o uso de drogas, uma vez que são visíveis e têm o potencial de atingir um grande número de pessoas de forma relativamente fácil.
Mas será que essas campanhas realmente funcionam? Será que elas atingem nosso público-alvo? E, afinal, quem deve ser nosso público-alvo para que as campanhas obtenham o resultado esperado? As campanhas podem piorar a situação em vez de melhorar?
Para responder perguntas como essa, o 7º Congresso Internacional Freemind convidou o ilustre Dr. William D. Crano, Professor de Psicologia e Diretor do Instituto de Psicologia da Saúde e Ciências da Prevenção da Universidade de Pós-Graduação de Claremont – EUA.
Veja um pouco do que ele disse sobre pesquisas que vem desenvolvendo sobre o uso de maconha e sobre campanhas de mídia. Você também pode assistir a palestra na íntegra em https://bit.ly/3BxYEpL e fazer o download da apresentação no site do Freemind.
Devemos nos importar? Você decide...
O uso de maconha por adolescentes está associado a:
- Déficits de aprendizagem e desempenho acadêmico inferior
- Níveis mais elevados de agressão e delinquência
- Maior probabilidade de lesão relacionada à direção de carros
- Relações mais pobres com os pais
- Maiores riscos de contrair doenças sexualmente transmissíveis
- Atitudes mais positivas em relação às drogas e ao uso de drogas
- Vício: mais adolescentes entram no tratamento com diagnóstico primário de dependência da maconha do que para todas as outras drogas ilegais combinadas.
- Mais associações com amigos delinquentes e traficantes
- Maior risco de uso perigoso de múltiplas drogas no final da adolescência e na idade adulta
- Interrupção do desenvolvimento cerebral normal, provavelmente permanente
*Dados combinados da Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas & Saúde, 2003-2009, N = 126.764, 12 a 17 anos
**As colunas de Uso posterior representam as chances de que um desfecho ocorra dada uma exposição particular (por exemplo, ao álcool, à maconha, etc.) em comparação com as chances de o resultado ocorrer na ausência dessa exposição.
A Campanha Nacional Antidrogas PARA A Juventude NA Mídia: O que FOI, e o que poderia ter sido
- Durante um período de quatro anos, os EUA gastaram US$ 1.400.000.000 para administrar a Campanha Nacional de Mídia Antidrogas direcionada a Juventude
Campanha nacional - principal alvo à 12 a 18 anos - Apesar desses gastos, os avaliadores da campanha foram obrigados a concluir o seguinte:
Maior exposição à campanha foi associada a normas antidrogas mais fracas e aumento na percepção de que outros [jovens] usaram maconha e, em alguns períodos de medição, o maior uso da maconha foi associado à frequência de exposição aos anúncios antissubstâncias.
Se após a campanha constatou-se que aumentou o número de usuários de maconha e que quanto mais anúncios as crianças viam, mas elas fumavam, isso significa que campanhas de mídia não funcionam?
Afirmar isso é errado, porque senão a Chevrolet, por exemplo, não gastaria milhões de dólares todos os anos em anúncios de mídia para vender seus carros.
Então, qual é o motivo?
Um deles está na falha em entender como a mídia funciona, já que a maioria das pessoas que comandam campanhas não são pessoas da mídia e o pessoal da mídia que realizam campanhas não são profissionais da prevenção, o que resulta numa combinação de falta de conhecimento nos dois lados.
Pela experiência do Dr. Crano, a mídia tem sido quase inútil quando se fala em tentar fazer com que uma pessoa pare de usar algum tipo de substância. Este tipo de abordagem não funciona e acaba sendo, na maioria dos casos, um desperdício de verba.
Um outro problema é que não compreendemos as regras de persuasão (convencimento). Quando tentamos convencer uma pessoa a não começar a fazer alguma coisa - por exemplo, o uso de maconha - precisamos mais do que elencar os problemas do uso da maconha, associar a isso a estratégia de persuasão e convencimento.
Se não conseguirmos convencer as pessoas, a mídia é inútil como mecanismo de prevenção, na quase totalidade dos casos, já que há uma falta de compreensão de como funcionam a mídia e a prevenção.
Foco em Mídia: Razões para falhas passadas, e Soluções
- Falha em entender a mídia de massa
O que eles foram projetados para fazer?
O que eles NÃO são projetados para fazer?
Não entender "regras" de persuasão - O que devemos fazer para induzir as pessoas a adotar nossos conselhos quando elas não querem fazê-lo?
Não basta informar. Deve-se superar a resistência.
Falha em entender como esses recursos se encaixam
- Como combinar as vantagens da mídia (alcance, imediatismo, baixo custo) com nossa compreensão da persuasão para criar uma prevenção bem-sucedida baseada na mídia?
O que a mídia é projetada para fazer?
- As funções primárias da mídia:
Engajar/Entreter -- Informar – Influenciar/Persuadir
- Uma mensagem de prevenção de substâncias baseada na mídia deve incluir todos esses três fatores, e deve questionar e minar atitudes pró-drogas estabelecidas.
- Se qualquer um desses recursos for ignorado ou mal implementado, a prevenção baseada em mídia não terá sucesso ou será menos eficaz.
A partir de mais de 50 anos de pesquisa, aprendemos alguns fatos críticos sobre persuasão baseada na mídia
Persuasão eficaz sempre envolve dizer a alguém para fazer algo que ela não quer fazer, ou não fazer algo que ela queira fazer – se não for assim, não estamos lidando com persuasão.
Portanto, sempre assuma que haverá a resistência!
Projete uma mensagem persuasiva para alcançar três objetivos:
- Levantar uma questão sobre a conveniência de uma ação ou crença, e minar a resposta que é dada. Por exemplo, levante a questão: “você tem certeza de que essa droga não é tão perigosa?”. Faça isso porque os jovens acreditam que todo mundo acredita na mesma coisa que eles e o que queremos fazer é injetar um pouco de dúvida de que aquilo pode não ser verdade.
- Fornecer sua resposta à pergunta, usando evidências fortes para apoiar sua reivindicação. Lembrem-se: estamos num debate onde tem algo acontecendo dentro da mente de cada uma das pessoas para as quais fizemos essa pergunta. Então, precisamos perguntar e já responder com evidências fortes para não haver chance de contestação.
- Reforçar e promover a aceitação da mensagem: porque eles deveriam adotar as nossas ideias, em vez de manter as suas próprias ideias? Então, como sugestão de reforço, podemos citar ter a concordância do jogador de futebol preferido da pessoa ou do seu pai, que ela respeita enormemente ou mesmo de um professor que ela goste. Isso é reforço!
E para aumentar a eficácia, nós adicionamos...
- Dirija ou adapte a mensagem persuasiva a características únicas do grupo ou indivíduo que é o foco de sua prevenção persuasiva. Por exemplo: convencer um grupo de pessoas que já trabalha com prevenção é totalmente diferente do que convencer um grupo de jovens na escola. Neste caso, precisamos saber qual é a linguagem que eles usam. Num estudo realizado pelo governo dos EUA na cidade de Los Angeles sobre o uso de e-cigarrettes, os jovens não sabiam do que estavam falando, já que eles chamam o e-cigarrette de vape. Então, ao fazer uma pesquisa sobre e-cigarrette, a mensagem ficou sem sentido.
Quem é nosso público? O Fluxo de Comunicação em duas etapas
A recomendação "USUAL": Para melhores resultados, direcione a comunicação ao público que deseja influenciar (modelo de agulha hipodérmica).
Isso parece fazer sentido, mas muitas vezes falha.
Paul Lazarsfeld, em 1944, sugeriu uma estratégia alternativa que é garantir que a comunicação seja apresentada por uma fonte que possa influenciar o público que desejamos atingir.
Ele falou que é um processo de duas fases: a comunicação tem que ser feita para afetar o líder de opinião, o formador de opinião, que é aquela pessoa que passa credibilidade e que vai absorver a mensagem e traduzi-la para os seguidores e para aquelas pessoas sobre as quais ele tem influência.
O formador de opinião, muitas vezes, não tem características como a de nosso público-alvo, mas tem outras características que implicam experiência ou confiabilidade.
Em geral, quem é um líder de opinião comum da maioria dos adolescentes?
SEUS PAIS!
E ainda assim, dedicamos milhões a persuadir um dos grupos mais resistentes possíveis: Adolescentes!
Precisamos atingir ambos os grupos, e para isso, devemos aprender as "regras" que precisam ser seguidas para desenvolver mensagens persuasivas.
Introdução às mensagens: O Princípio Organizador da Comunicação de Lasswell
Lasswell disse que uma boa maneira de descrever um ato de comunicação é responder às seguintes perguntas: Quem diz o quê, em que canal, para quem e com que efeito? Na maioria das escolas de jornalismo dos EUA, esta é a primeira coisa que os alunos aprendem.
Ao desenvolver comunicações persuasivas, devemos fazer essas mesmas perguntas.
O que Lasswell QUIS DIZER?
- QUEM: A fonte da mensagem persuasiva
- O QUÊ: O conteúdo da mensagem
- CANAL: Televisão, rádio, revista, blog de mídia social, palestra, etc.
- Para quem: Os receptores, ou público, ou alvos da mensagem
- Com que efeito: A mensagem alcançou seu propósito?
Uma comunicação projetada para ser persuasiva responderá às primeiras quatro perguntas, diretamente ou por implicação.
A questão do efeito é respondida quando os efeitos da comunicação são avaliados.
Desenvolvimento de mensagens
Uma parte importante do "Quem diz o quê“ é o O QUÊ.
O QUE se refere ao conteúdo da mensagem, que é fundamental para a persuasão.
Dr. Crano, juntamente com Eusebio M. Alvaro e Jason T. Siegel desenvolveram, em 2019, um algoritmo para facilitar o desenvolvimento de mensagens persuasivas que se baseiam em décadas de pesquisa. É chamado de MODELO “EQUIP”.
Nesta simples sigla, o modelo integra as características que a pesquisa sobre a criação de comunicações persuasivas identificou. É fácil de seguir, e eles até desenvolveram um formulário de pontuação para ajudar a determinar se é provável que a mensagem tenha sucesso - e como melhorá-la.
O EQUIP é uma abordagem disciplinada para projetar mensagens de mídia, combina as funções essenciais do desenvolvimento de mensagens de mídia e é baseado em evidências coletadas ao longo dos últimos 70 anos de pesquisas científicas sobre persuasão.
O Modelo “EQUIP” de Desenvolvimento de Mensagens requer
- E - Engajamento: Atraia e mantenha a atenção do seu público, durante todo o tempo da sua apresentação (seja 30 segundos, 1 minuto ou o tempo que durar).
- Q – Question - Pergunta: Levante a questão na mente do receptor sobre sua atitude – não ataque imediatamente a resposta.
- U - Undermine - Minar: Desestabilizar essa atitude levantando dúvidas que contesta a resposta do alvo. Com uma pergunta bem feita, com um questionamento, a pessoa se desestabiliza às vezes. Você faz a pergunta, a pessoa responde e você diz, por exemplo: “responda minha pergunta: porque você acha que a droga não faz mal, se tem pesquisa aqui falando que faz? quem é que tem razão aqui – você ou cientistas que passaram todos esses anos pesquisando?” E com isso você consegue desestabilizar a pessoa.
- I - Informar: Fornecer substituição plausível da crença existente (mensagem forte é essencial – fonte de uso de alta experiência e confiabilidade). As mensagens são fracas se elas não trouxerem informações sólidas. Você tem que basear a comunicação em fatos, fatos sólidos, porque senão ela não se sustenta.
- P - Persuadir: Você Tem que convencer a pessoa do porquê que ela tem que acreditar em você e não naquelas crenças antigas que ela tinha. Forneça incentivos para o acordo com sua mensagem. Esses incentivos muitas vezes envolvem...
- Estar do lado certo de um argumento
- Estar embasado por uma fonte valiosa
- Ser consistente com as normas do seu grupo
- Estar bem com os pais
Como melhoramos os efeitos de persuasão usando o modelo EQUIP
O que você precisa fazer na hora de pensar num projeto desse tipo - principal requisito obrigatório: aprenda e entenda como usar o modelo para projetar a informação, a mensagem e como passar isso.
Você tem que entender que os jovens vão apresentar resistência, já que eles são resistentes a esse tipo de comunicação. Então, é necessário tornar a resistência difícil, impossível ou aparentemente desnecessária.
Então você tem que adaptar a mensagem para as circunstâncias daquele grupo com qual você quer falar e, por fim, você tem que envolver os pais sempre que possível, nesse processo de convencimento: os pais serão a linha de frente desse trabalho de convencimento. Eles precisam fazer parte do processo e se envolver nas campanhas de prevenção ao uso de substâncias por adolescentes.
O modelo EQUIP (limitações)
A mensagem deve combater a resistência e você precisa conseguir ultrapassar essa resistência. É preciso ter consciência de que os jovens, sobretudo, não vão concordar com você ou com sua mensagem.
O modelo deve integrar as funções críticas de persuasão: ENGAJAR – INFORMAR – PERSUADIR.
Ele assume que o público apropriado será atingido e fornece uma estrutura norteadora para a prevenção do uso indevido de substâncias por uma variedade de mídia: televisão, rádio, impressão ou outras abordagens de entrega, notadamente as mídias sociais (saiba quais mídias seu público usa).
Com essas informações, é razoável perguntar: O que devemos fazer para montar uma campanha de sucesso?
Trabalhar para superar a resistência aos seus apelos; em seguida, use EQUIP:
- Engajar seu público
- Questionar atitudes existentes (pró-drogas)
- Minar (desestabilizar) essa resposta
- Informar – atitudes são afetadas por informações com mensagens fortes e fontes altamente confiáveis
- Persuadir– incentivar a adoção de sua resposta – mostrar por que ela deve ser adotada. Use táticas disponíveis de persuasão
Mais algumas considerações:
- Não prometa demais ou ameace demais.
- Anúncios que despertam o medo geralmente falham.
- Tentativas fracassadas de persuasão muitas vezes resultam em falhas futuras, porque a resistência bem sucedida gera resistência a campanhas de persuasão posteriores.
- Comunicações nojentas não são revistas e, portanto, geralmente falham.
- Para as campanhas de jovens, envolvam os pais como formadores de opinião, se possível - Se não for possível, torne possível!