Cobertura jornalística sobre drogas: distorções e potencialidades na prevenção
Capítulo 11 do Livro: Ações integradas sobre drogas: prevenção, abordagens e políticas públicas. Ed. UFJF, 2013.
The content discussed highlights the influence of the media in the process of health promotion related to alcohol and other drug use. In this sense, it is evident the need for critical reading of journalistic matters, with special attention to biased content and information biases, which may compromise health actions. On the other hand, when used in a constructive way, the media can represent an important health promoter.
Ao discutir o tema álcool e outras drogas, é importante considerar que, além dos efeitos no Sistema Nervoso Central, os aspectos socioculturais apresentam grande importância. Muitas substâncias que em algum momento da história foram utilizadas em rituais e livres para consumo, em outros tempos ou culturas passaram a ser consideradas proibidas (MacRae, 2010). Portanto, a percepção social relacionada ao tema drogas também pode influenciar as ações de prevenção e tratamento, bem como trazer consequências aos usuários.
Nesse sentido, a nossa percepção individual sobre “drogas” é influenciada pela forma como o contexto social, do qual fazemos parte, discute e apresenta o tema. O contexto, assim, passa a ser fonte de informação e formação de crenças e atitudes sobre determinado assunto. Nas sociedades modernas, a mídia de massa tem se tornado cada vez mais fonte de influência de percepção social, podendo ser, portanto, uma ferramenta útil para ações de prevenção ao uso de álcool e outras drogas. Porém, também pode representar fonte de banalização, incentivo ou distorção de aspectos relacionados ao tema drogas (Andrews, McLeese, & Curran, 1995; Ramos, 2003; Thompson, 1995).
Acontecimentos relacionados ao consumo e comércio de drogas ocupam considerável espaço de jornais e revistas do país. Várias são as matérias que envolvem assuntos como apreensões de drogas ilegais, poder do tráfico, questionamentos a respeito da descriminalização e potencial terapêutico da maconha, acidentes que envolvem motoristas embriagados, restrições do fumar em ambientes públicos e, mais recentemente, a chamada “epidemia do crack”. Tais temas levantam questões polêmicas
e, algumas vezes, contraditórias. Por exemplo, violência e acidentes associados à embriaguez podem, nas mesmas edições, coexistir com sofisticadas propagandas de bebidas alcoólicas.
Os meios de comunicação influenciam consideravelmente políticas e opinião pública. No entanto, algumas pesquisas levantam questionamentos acerca do conteúdo divulgado sobre drogas no país (ANDI, 2005; Noto, Pinsky, & Mastroianni Fde, 2006; Ronzani et al., 2009). O jornalismo, por definição, deveria investigar, informar, propiciar reflexão e, dessa forma, ser um grande aliado das ações públicas. Porém, de acordo com pesquisa realizada por Mastroianni (2006), os próprios jornalistas admitem frequentes distorções de informações e explicam que isso tende a ocorrer em função do ritmo acelerado na produção de matérias e a concorrência entre os veículos (Mastroianni, 2006).
Apesar dos vieses, muitos jornais e revistas tradicionais são considerados referenciais da verdade no Brasil. Não é raro observar inadequadas citações de matérias jornalísticas como referências bibliográficas fidedignas, inclusive em teses ou trabalhos de conclusão de cursos. Isso reflete a considerável influência social dos meios de comunicação, inclusive em contextos acadêmicos.
Para a saúde pública e, consequentemente, para ações preventivas, essa influência merece atenção especial. É necessário conhecer como e em qual sentido essa influência acontece, para tentar minimizar o impacto de crenças e valores enviesados decorrentes de distorções jornalísticas (Ramos, 2003; Thompson, 1995). Por outro lado, também é válido conhecer as potencialidades da mídia, a qual pode ser uma grande aliada das ações preventivas. Na medida em que os profissionais de saúde saibam como interagir com a imprensa, pode ser criada uma relação favorável à promoção de saúde (Ronzani et al., 2009).
Este capítulo tem por objetivo apresentar discussão crítica acerca da cobertura jornalística sobre drogas, no sentido de ampliar a visão de profissionais frente ao tema, despertar questionamentos e fornecer subsídios para um planejamento de ações de saúde.
O jornalismo e a agenda pública sobre drogas: inversões de prioridades
De acordo com a Teoria de Agenda-setting, a agenda pública sofre forte influência dos temas destacados pela imprensa. A partir da frequência e destaque dado a determinados assuntos, a imprensa acaba selecionando os conteúdos a serem considerados importantes pela sociedade. A prioridade atribuída a determinados temas influencia a opinião pública que, por sua vez, cobra ações governamentais, dentro de um processo de interação entre imprensa, sociedade e governo (Scheufele, 2000). Se, por alguma razão, a imprensa caminha em descompasso com a epidemiologia, tendem a ocorrer inversões de prioridades. Nesse aspecto chama também atenção, a forma como as evidências científicas são transformadas e veiculadas na mídia leiga, algumas vezes podendo distorcer ou supervalorizar de forma descontextualizada resultados de pesquisa, se transformando muitas vezes como fonte de evidência secundária e definindo prioridades de ação e políticas públicas que empiricamente não se sustentam.
Uma questão de grande dimensão do ponto de vista epidemiológico, como a violência associada ao álcool, pode ser ofuscada por outra que, embora muito impactante, apresenta menor dimensão epidemiológica, como a violência associada ao crack. Esses descompassos podem refletir em distorções na agenda das políticas de saúde.
Estudos epidemiológicos apontam o álcool como tema prioritário de saúde. Um estudo domiciliar, realizado nas maiores cidades brasileiras, sugerem que cerca de 12%
da população, entre 12 e 65 anos, preenche critérios diagnósticos para dependência do álcool (Carlini, Galduroz, Noto, Fonseca, & Carlini, 2007). Cerca de metade dos casos de homicídio e violência familiar envolvem agressores embriagados (Fonseca, Galduróz, Tondowski, & Noto, 2009). Uma parcela significativa de acidentes de trânsito e de trabalho também está associada ao consumo indevido de álcool. No entanto, a frequência de matérias jornalísticas publicadas sobre álcool no país, apesar de crescente, ainda tende a ser menor do que o observado para drogas ilegais, como maconha, cocaína e crack (Mastroianni, 2006; Noto et al., 2006; Ronzani et al., 2009).
Em relação ao tabaco, foi observado crescimento da proporção de matérias jornalísticas nas duas últimas décadas, mas com abordagem predominantemente factual (Lacerda, Mastroianni Fde, & Noto, 2010). Outro exemplo envolve os inalantes, como lança-perfume e cola de sapateiro, os quais raramente geram notícias, apesar de representar um dos grupos de drogas mais usados por adolescentes. O mesmo acontece com medicamentos psicotrópicos, como ansiolíticos e anfetaminas, cujo conhecimento da população sobre os danos é influenciado pela lisura de uma prescrição médica e a garantia de um laboratório farmacêutico (Johnston, 2009). Diante da falta de informações, essas drogas passam invisíveis diante da opinião pública, deixando espaço para situações de risco e de uso indevido.
Para as drogas ilegais, ao contrário, a mídia tende ao exagero. São freqüentes as manchetes sensacionalistas e uso de termos pejorativos como viciados, drogados e maconheiros, permeados de sérios equívocos de informação. Nos últimos anos, foram crescentes as matérias sobre casos de violência associados ao crack e cocaína, com manchetes como “Menor mata a avó com 70 facadas após usar cocaína/crack” (Folha de São Paulo). Porém, um estudo epidemiológico domiciliar, realizado em São Paulo, identificou que os casos de violência física associados aos derivados de cocaína são
cerca de cinco vezes superados pelos casos associados ao álcool, os quais são bem menos divulgados na imprensa (Noto et al., 2006).
Fenômeno similar foi anteriormente descrito em outros países. Hartman & Golub (1999) analisando matérias da década de 90, perceberam que a imprensa americana criou um pânico em relação a uma possível epidemia de crack. Os autores consideraram que essa visão equivocada do “problema” teria sido construída pelos meios de comunicação e, provavelmente ajudou a desviar a atenção da população de problemas estruturais persistentes, como desemprego, condições de saúde geral, entre outras (Hartman & Golub, 1999).
Além disso, as matérias sobre drogas ilegais tendem a ressaltar a repressão como uma das principais formas de intervenção. São raras as matérias que, por exemplo, orientam de forma equilibrada sobre a possibilidade de tratamento e recuperação (Ronzani et al., 2009). Tais distorções serão discutidas mais adiante neste capítulo.
Temas polêmicos e a mobilização social
Como apresentado anteriormente, o jornalismo também participa da formação de conceitos, atitudes e mobilização social. Nesse sentido, a imprensa pode influenciar consideravelmente na aceitação, ou rejeição, de questões políticas (Holder & Treno, 1997; Yanovitzky, 2002). Casos como a internação involuntária de pacientes dependentes, a ação governamental na cracolândia de São Paulo e as restrições de fumar em ambiente fechado são alguns exemplos de polêmicas recentes que, de alguma forma, sofrem influência da imprensa.
Em relação ao tabaco, pesquisas internacionais indicam que a imprensa pode ter favorecido políticas de controle, observadas em vários países. Na Austrália, um estudo com matérias jornalísticas concluiu que a imprensa local foi favorável ao controle do
tabaco e isso pode ter contribuído para a adoção de políticas no país (Durrant, Wakefield, McLeod, Clegg-Smith, & Chapman, 2003). Nos Estados Unidos, Clegg Smith e colaboradores (2006) também notaram ênfase em políticas do controle do uso de tabaco no país (Clegg Smith, Wakefield, & Edsall, 2006).
No Brasil, Lacerda e colaboradores (2010) analisaram matérias, sobre tabaco, divulgadas em oito dos principais jornais e revistas do país, nos anos de 2000, 2003 e 2006. As principais categorias observadas em manchetes e lides foram: políticas de controle, movimentos antitabagistas e divulgação de pesquisas. O ano 2000 foi o que apresentou a maior frequência de matérias. Segundo os autores, esse fenômeno pode ser explicado pela promulgação da Lei nº 10.167 no ano de 2000, que proibiu propagandas relacionadas ao tabaco, estimulando o debate político sobre ações antitabagistas naquele ano (Lacerda et al., 2010). Nos anos subsequentes, Galduróz e colaboradores (2007) publicaram um artigo relacionando a mudança na legislação com uma redução da prevalência do consumo de tabaco entre estudantes (Galduroz, Fonseca, Noto, & Carlini, 2007). De acordo com a teoria de Agenda-setting, todos esses fenômenos estariam interligados, ou seja, política, imprensa, opinião pública e comportamento de consumo de drogas.
Em relação ao álcool, nas últimas décadas, a imprensa também parece ter favorecido ações governamentais para questões específicas, em diferentes países. Em análise de editoriais de seis jornais finlandeses, entre 1993 e 2000, foram observadas mudanças no discurso jornalístico que acompanharam transformações políticas e da opinião pública do país (Torronen, 2003). De acordo com Yanovitzky (2002), a cobertura da imprensa sobre os acidentes de trânsito associados à embriaguez também podem contribuir indiretamente para a redução do comportamento de beber e dirigir. Segundo o autor, isso ocorre provavelmente devido ao fato de que a mídia atrai a
atenção de instituições e promove um ambiente de mudanças na sociedade (Yanovitzky, 2002).
No Brasil, Noto e colaboradores (2006), observaram aumento da frequência de matérias jornalísticas sobre bebidas alcoólicas nos anos de 2000, 2003 e 2006. O maior aumento foi observado para os conteúdos relacionados a acidentes de trânsito, indicando crescente cobertura sobre o tema (Noto et al., 2006). Nos anos subsequentes, foi aprovada a Política Nacional específica para bebidas alcoólicas (2007) e, em 2008, foi estabelecida maior restrição legal sobre o beber e dirigir (popularmente conhecida como “Lei Seca” no trânsito). De acordo com a teoria de Agenda Setting, os avanços políticos estariam relacionados ao crescente estímulo da mídia observado nos anos anteriores.
Mídia e preconceito: obstáculo para a promoção de saúde
A imprensa também representa um dos elementos que refletem e reforçam um conjunto de crenças e valores negativos sobre o uso de drogas, estimulando o estigma social e dificultando algumas ações de saúde. A ANDI (Agência Nacional dos Direitos da Infância) conduziu análise de textos jornalísticos sobre drogas, entre 2002 e 2003. Foi observado que 28% dos textos associaram o tema drogas com algum tipo de violência ou crime. Para os autores, esse tipo de matéria ajuda a construir um estereótipo do usuário ligando diretamente a essas práticas (ANDI, 2005). Essa visão estimula o medo e dificulta o estabelecimento de relação de cuidado entre profissionais de saúde e pacientes dependentes.
Da mesma forma, as matérias jornalísticas tendem a ser inespecíficas quanto aos padrões de consumo de substâncias, generalizando conceitos e contribuindo para a desinformação da sociedade sobre a diversidade do uso de drogas. No estudo realizado pela ANDI (2005), os principais termos encontrados em matérias sobre drogas
apontavam o usuário como bêbado, dependente, viciado e drogado, colocando em um mesmo patamar usuários esporádicos e dependentes.
Vale ressaltar que a grande maioria de usuários de drogas não são dependentes e o desenvolvimento de problemas relativos ao uso de drogas se dá por meio de uma complexa interação de diversos fatores biológicos, psicológicos e sociais, sendo errôneo supor que o dependente é único responsável sobre sua condição. Essa tendência em não abrir espaço para discussão multidisciplinar destaca o dependente ou a própria droga como “bode expiatório” de um fenômeno que envolve questões estruturais da sociedade, que muitas vezes não são comodamente tratadas, mas que estão diretamente implicadas no desenvolvimento da dependência, como por exemplo, o crescimento da desigualdade social.
De acordo com o estudo de Noto e colaboradores (2003), embora os jornalistas escrevam matérias aparentemente isentas, a tendenciosidade pode ser observada nas entrelinhas (Noto et al., 2003). Os autores ressaltam que, no estudo em questão, o estigma foi ainda mais evidente em artigos jornalísticos produzidos por outros profissionais e/ou especialistas (advogados, médicos, delegados, entre outros). Alguns exemplos de expressões tendenciosas foram: “Trata-se de um abismo...”, “O uso de drogas...é um bom exemplo do horror...” e “o flagelo da droga”. O tom emocional tende a ser mais explícito em textos escritos por outros profissionais, provavelmente, em função da maior liberdade de expressão da opinião pessoal. Esse cenário denuncia a falta de conhecimento e preparo desses profissionais e, por outro lado, salienta a necessidade da desconstrução do estigma social, especialmente entre profissionais que pretendem trabalhar com o tema.
Como pensam os jornalistas?
Em estudo realizado por Mastroianni (2006), profissionais ligados à área do jornalismo foram entrevistados sobre a sua visão frente à cobertura jornalística sobre o tema “drogas”. A maioria dos jornalistas afirmou que a inclusão do tema “drogas” nas pautas dos jornais e revistas é predominantemente associada a questões de criminalidade e violência. Segundo os jornalistas entrevistados, o tema se torna importante por ser uma questão social potencialmente presente no cotidiano dos leitores, ou seja, daqueles que compram os veículos de informação. Também em relação à vendagem, alguns jornalistas afirmaram ser freqüente a alteração de manchetes, para que se tornem mais atrativas e, com isso, aumentem as vendas dos jornais e revistas.
Sobre o predomínio de matérias relacionadas ao tráfico de drogas, todos os jornalistas entrevistados concordaram que o modelo de repressão tende a ser o preferido, sendo este reflexo da opinião pública e do que as políticas públicas priorizam. No entanto, alguns profissionais consideraram que a prática jornalística também reforça o pensamento repressivo dominante.
Sobre o impacto de suas matérias para os leitores, alguns jornalistas entrevistados por Mastroianni (2006) afirmaram que as informações apresentadas tendem a gerar uma visão mais positiva sobre o tema, mantendo o leitor informado, enquanto parte acredita que as matérias apenas reforçam o que o leitor pensa. Contudo, para a maioria, as matérias tendem a levar uma sensação de medo e insegurança. Para os profissionais ligados aos cadernos policiais, com as informações apresentadas, existe a tendência de se pensar que o tráfico de drogas está cada vez pior. Entre as principais dificuldades para se escrever uma matéria sobre o tema “drogas”, estaria o volume de matérias, a falta de profissionais nas redações e falta de tempo para realizá-las de modo a se conseguir informações com especialistas na área.
A maioria dos profissionais entrevistados possuía uma visão negativa da cobertura praticada, destacando sua superficialidade, pouca contextualização, pouca discussão e exagero no viés policial do tema. Em contraposição à prática comum, os jornalistas indicaram diversas formas para se melhorar a cobertura. A solução mais apontada foi a necessidade de um contato maior com os especialistas, acadêmicos, universidades e centros de pesquisa. Consideraram também importante a contextualização do tema, evitando-se assim a superficialidade e o prisma da repressão policial. Alguns entrevistados ressaltaram a necessidade de mudança do pensamento da sociedade e a ampliação do número de jornalistas nas redações. Melhorar a formação dos profissionais e o pensamento dos donos de jornais também foram sugestões para se melhorar a cobertura do tema “drogas”.
Além disso, segundo a ANDI (2005), a sociedade brasileira não dispõe de muitos referenciais sobre a questão, o que implica em maior responsabilidade do jornalista ao levar informação. Diante de uma quase unanimidade do discurso repressivo, resta pouco espaço na mídia para jornalistas que apresentem pensamentos divergentes, e por esse motivo, o debate público fica claramente prejudicado pela falta de pluralidade de ideias. Essa questão é retroalimentada pelos interesses da própria mídia em não divergir da opinião pública em temas “tabus”, inclusive do ponto de vista econômico, uma vez que muitos dos anunciantes não querem sua imagem associada a questões polêmicas. Esse é um ponto negativo da mídia brasileira, que poderia se utilizar do seu poder de inovar nas opiniões e ampliar o debate ao invés de apenas reproduzir o senso comum.
A mídia como instrumento promotor de saúde
A influência da mídia na opinião e nas políticas públicas também pode ter efeitos favoráveis na promoção de saúde em ações preventivas. Estudos nesse sentido
envolvem a denominada Media Advocacy, que é o uso deliberado da imprensa por grupos sociais interessados em avanços específicos de atitudes, comportamentos e políticas públicas (Holder & Treno, 1997).
As ações Media Advocacy envolvem a mobilização da imprensa em situações como eventos, inauguração de serviços ou divulgação de dados de pesquisa, no sentido de difundir ideias específicas. No entanto, as ações de Media Advocacy devem preferencialmente ser constantes. Um exemplo de críticas nesse sentido pode ser observado em estudo norte-americano a partir da análise de 256 jornais entre 1998 e 2001 (Niederdeppe, Farrelly, & Wenter, 2007). Os autores observaram aumento de matérias relacionadas a grupos antitabagistas, mas concentradas em períodos específicos do ano e, predominantemente, relacionadas a campanhas promovidas em função do Dia Mundial sem Tabaco (31 de maio). No entanto, os autores levantam crítica a tais divulgações pontuais, consideradas subutilização dos recursos da Media Advocacy, a qual, para ter maior efetividade, deve ser mais constante.
Para estabelecer uma parceria construtiva com a imprensa, além da promoção de ações, é necessário identificar previamente jornalistas mais informados, interessados ou comprometidos com a temática, assim como aqueles que se deixam influenciar menos com o sensacionalismo e a competitividade jornalística. Matéria escritas por jornalistas mais preparados e sensibilizados com a questão, tendem a apresentar melhor qualidade e, consequentemente, contribuem com processos de mudanças construtivas. Para a melhoria da qualidade das informações divulgadas na imprensa, também podem ser planejados cursos de sensibilização e atualização sobre drogas especificamente voltados para profissionais da área de comunicação social (ANDI, 2005).
A Propaganda como Importante Aspecto da Mídia
A propaganda é outra forma de mídia também relacionada ao consumo de drogas. Tais propagandas podem promover a venda de uma substância lícita, como por exemplo bebidas alcoólicas, tabaco ou substâncias psicotrópicas aprovadas para comercialização pela ANVISA, ou ainda propagandas anticonsumo. Esta é uma área que circula grande quantia financeira e os dados mostram que as propagandas pró-consumo são infinitamente mais efetivas e com maior qualidade técnica às propagandas anticonsumo (Babor et al., 2003).
Em função disso, dentre os vários fatores relacionados, um dos responsáveis pelo aumento do consumo de bebidas alcoólicas é a propaganda, através da exposição, do acesso e da repetição de propagandas. Tal afirmação é corroborada em estudos com adolescentes brasileiros, demonstrando que o consumo de álcool estava diretamente relacionado à exposição à propagandas. Neste estudo, quanto mais exposto estava o jovem às propagandas, maior a frequência e quantidade de consumo (Engels, Hermans, van Baaren, Hollenstein, & Bot, 2009; Vendrame, Pinsky, Faria, & Silva, 2009).
Portanto, assim como outras fontes de mídia, porém com a especificidade de grande exposição e acesso, as propagandas são fontes importantes de influência de comportamento, bem como crenças e atitudes sobre o consumo de substâncias, podendo produzir crenças distorcidas em relação ao uso de álcool, tabaco e outras drogas, principalmente entre crianças e adolescentes (Botvin & Kantor, 2000; Fielder, Donovan, & Ouschan, 2009).
Tendo em vista a importância das propagandas no comportamento do consumo de álcool e tabaco e da discrepância entre as propagandas pró e anti consumo, e a eficácia da última como estratégia de prevenção ou redução de consumo, a estratégia mais efetiva sustentada pela literatura é a regulação ou o banimento de propaganda em meios de comunicação de massa como a TV e Rádio (Babor et al., 2003). O banimento
de propagandas de tabaco já foi regulamentado no Brasil, porém grande polêmica e interesses estão relacionados para a mesma decisão governamental sobre as bebidas alcoólicas.
Considerações Finais
O conteúdo abordado neste capítulo destaca a influência dos meios de comunicação no processo de promoção de saúde relacionada ao consumo de álcool e outras drogas. Nesse sentido, fica evidente a necessidade de leitura crítica das matérias jornalísticas, com especial atenção aos conteúdos preconceituosos e aos vieses de informação, os quais podem comprometer as ações de saúde. Por outro lado, quando utilizada de forma construtiva, a mídia pode representar importante instrumento promotor de saúde.
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